Só lembro dos dias por causa das contas
Empilhadas, pisoteadas, sujas de sangue
Elas continuam chegando
Mesmo se os carteiros estiverem mortos
Continuam chegando
Junto com spams e links maliciosos
Nas ondas dos satélites, no bico dos pássaros
No aumento dos impostos, na propina dos marechais
Nas mensagens sublimares e megafones digitais
Gritadas por agentes mascarados a dois metros de distância
Questão de segurança
Continuam chegando
Passadas por baixo da porta por mãos cadavéricas
Pontas de unhas carcomidas, serviços essenciais
Mesmo se não houver mais ninguém para pagá-las
Recolhê-las da caixa no portão
Lançá-las em papel picado na descida do caixão
Dos moradores também empilhados, depenados
Perdidos dentro das próprias casas
Pisoteados dentro das próprias cabeças
Um corpo na cama não é só um corpo
Estamos doentes, dormentes, mas não dormindo
Ninguém mais troca os lençóis daquele quarto
Enquanto nos outros cômodos, a vida continua
É dia de festa no bar da esquina
Intelectos variantes na primeira dose de vacina
De vencimento em vencimento
Atraso em atraso
Continuamos a contar os mortos
A acumular as contas no descrédito automático
Corpos vencidos, atrasados, com multas
Corpos guinchados para liberar espaço
para outros corpos descartáveis
Eletricidade cortada no dia anterior
Menos um tubo de oxigênio
O último cilindro
Um novo depoimento
Não há mais ninguém aqui
Ninguém para pagá-las
Nem agentes para cobrá-las
Nem empresas para emiti-las
Mas como um organismo independente
Resistente a pandemias e desastres nucleares
Prontas para povoar o novo mundo
As contas persistem
Higher
Letra da música “Higher”, trilha sonora oficial do livro “Ninguém Nasce Herói”. Escrita por Eric Novello e com melodia de…