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Pai, você viu os fogos no céu da cidade?

Era primeiro de janeiro.

Tinha branco, cor de rosa, brilho roxo e azul.

Havia tanta alegria na avenida.

Troquei abraços, feliz ano novo, troquei carícias e beijos em público como quem não deve nada a ninguém. Fiz tanto pedido, tanta algazarra! Devia é ter levado uma lista.

Pedi pra sair aquela viagem, pra ter trabalho, mas também sossego. Pedi a saúde, a alegria, a paz… O dinheiro.

Mas aí o céu se apagou, pai. Sem fogos, sem cores, sem estrelas.

Veio um silêncio desses de nublar pensamento.

Olhamos uns para os outros desanimados, meio perdidos.

Feliz ano novo! A gente gritou mais uma vez.

Vai que a animação voltava?

Feliz! Feliz… Feliz?

Não teve jeito.

Dentro da cabeça outra contagem regressiva avisava: a época das ilusões havia acabado. Festa de verdade nessa hora só embaixo dos bueiros. Dava pra sentir o chão tremendo. Escala Richter nas alturas.

Nós vencemos, nós vencemos! Diziam os ratos.

Ratos de pelagens distintas, espécies variadas. Cor de cruz, crime, veneno e farda.

Velhinhas sorridentes de verde e amarelo.

Seus olhos dizendo: atira, explode, mata!

Pedidos de morte coreografados como num musical.

Quieto na esquina, fechei os olhos e mentalizei novos desejos. Me concentrei nos realistas. 

Que não morressem os amigos, os amores. A moça da porta da escola. Que num deslize da ânsia homicida, virassem duas páginas grudadas no caderno do plano de extermínio. Justo as páginas com nossos nomes. 

Desde então o tempo passou tão rápido e tão devagar.

Parece que foi ontem. E ainda tem tanto pela frente.

Uma lista de contagens regressivas para as futuras gerações.

Eu nem saberia por onde começar.

Mas tudo bem, pai, tudo bem mesmo.

Aqui nessa avenida a gente bate no peito mais alto do que eles batem as botas no chão.

Teve gente dizendo que a última cor foi o vermelho.

Os fogos, você ainda se lembra? Tanta gente espremida.

Esperança refletida nas pupilas até o último brilho se apagar.

Dos pedidos antigos, não sobrou nenhum.

Mas o novo eu repito todos os dias.

Sabor ferroso mantido na ponta da língua.

Um que faria os ratos tremerem de medo.

Ou de orgulho, não sei. Não pretendo perguntar.

Justo eu, pai, acredita?

Justo eu.

Justo eu a olhar pro céu e pensar:

Feliz ano novo.

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